O hotel Brasília Palace, um marco do modernismo na capital brasileira, é o assunto deste livro inteiramente dedicado às suas histórias e arquitetura. Ilustrado por ensaio fotográfico de Ruy Teixeira e rica seleção de imagens de acervo, foi organizado por Luis Esnal.
Luis Esnal organizou
Ruy Teixeira é autor do ensaio fotográfico
O design gráfico é de Elisa von Randow
E a produção gráfica feita por Jairo da Rocha
impresso na Ipsis
132 páginas - 24,50 x 32,70 cm | capa dura
2015 | 1ª edição
isbn 978-85-68212-01-1
R$ 85,00 + Frete R$ 8,90 PAC
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MARCELO CARVALHO FERRAZ
O Brasília Palace é testemunho de uma época em que foi possível inventar e concretizar um hotel com conforto e beleza, sem repetir o padrão internacional de hotéis urbanos que hoje predomina pelo mundo afora. Seu projeto, partindo da arquitetura racional e moderna, passando pela arquitetura de interiores, até chegar ao mobiliário, representa justamente a ousadia de uma proposta que respondeu a um programa de necessidades universal de hotelaria, mas com soluções brasileiras, descolonizadas, com grande vigor e frescor.
Do afresco de Athos Bulcão na sala de estar e do painel em mosaico de Paulo Werneck no saguão de entrada, às cadeiras Womb Chair de Eero Saarinen e Bardi’s Bowl de Lina Bo Bardi, tudo emanava um despojamento sofisticado, característico de um design que atendia a funções e usos, aquilo que se chamou até há pouco com muita honra e sem nenhum demérito de Arte Aplicada. Basta lembrar os trabalhos de Frank Lloyd Wright ou Alvar Aalto, que também utilizaram uma gramática internacional, adequada às demandas dos novos tempos, mas com personalidade própria, original.
A cadeira de Lina, desenhada em 1951, ousada significativa e moderna até hoje, teve no Brasília Palace sua estreia em espaços de uso público, com alguns exemplares dispostos pelo saguão de entrada. Segundo Lina, ela foi também utilizada no Palácio da Alvorada – e continua sendo produzida atualmente, mais de seis décadas depois.
Poucos anos após a inauguração de Brasília, Lina escreveu uma carta como réplica a uma crítica publicada pela revista italiana L’architettura. Cronache e storia (1964), em que a cidade fora condenada por seu suposto perfil fascista e sua estética “lunar”. Escreveu Lina: “[...] A fragilidade dialética de Brasília é apenas a fragilidade de hoje. A pesada alternativa de toda a cultura atual: uma cultura pobre – milhões de homens desesperados, prontos para o ataque –, uma herança totalmente desmitificada – um mundo totalmente nu, seco, feito de milhões de homens, sem arrebatamentos, sem saídas. O problema de todos, hoje, é o de construir, com esse pobre material, uma cultura”.
Hoje, com o hotel recuperado e em pleno funcionamento, outras peças do mobiliário brasileiro vêm “povoar” seus espaços, como as poltronas Dinamarquesa, do polonês naturalizado brasileiro Jorge Zalszupin, ou as poltronas Odilon, do brasileiro Sérgio Rodrigues e uma longarina de cinema original dos anos 1950, da CIMO. A cadeira de balanço de Oscar Niemeyer, a Rio, ocupa seu lugar de destaque. Todo esse mobiliário originalmente escolhido para o hotel tem em comum com a arquitetura do conjunto um ideário que se traduz na combinação de liberdade de criação com rigor técnico, generosidade de propósitos com economia de meios. Ao largo da moda ou de qualquer conceito de estilo – atributos perecíveis –, arquitetura e design se ajustam e sobrevivem ao tempo. Lina e Oscar se encontraram nesse projeto.
XAVIER, Alberto; KATINSKY, Julio (Org.). Brasília: antologia crítica. São Paulo: Cosac Naify, 2012. 472 p.
Crédito imagem: No mezanino sobre o saguão de entrada vê-se a poltrona Bardi's Bowl, projetada por Lina Bo Bardi (1958) | Marcel Gautherot | Acervo Instituto Moreira Salles
ANDRÉ ARANHA CORREA DO LAGO
O Brasília Palace deveria ser reconhecido como um marco na arquitetura de hotéis em todo o mundo. Sua novidade e importância, no entanto, foram diluídas no contexto da inauguração de uma capital inteiramente nova em que o hotel era apenas um dos muitos elementos que faziam parte de um projeto gigantesco. O plano urbanístico de Lucio Costa – conhecido como Plano Piloto – não podia dar a um hotel uma localização de destaque: não era uma cidade de lazer, mas uma nova capital, e como tal tinha de valorizar os edifícios que simbolizariam a nação: os palácios presidenciais(1), o Congresso Nacional, a catedral etc.
A arquitetura de Niemeyer, por outro lado, cujas formas sempre foram altamente simbólicas, aliavam originalidade com hierarquia: dependendo da relevância do projeto, a forma era mais ousada. Novamente, palácios, teatro ou catedral tinham de chamar mais atenção por sua dimensão pública. Habitação privada (edifícios residenciais nas superquadras), edifícios de escritórios (ministérios) ou comerciais (hotéis, conjuntos comerciais) não precisavam causar surpresa ou espanto, como gostava de dizer Niemeyer. O projeto do Brasília Palace, portanto, nunca buscou ser chamativo: tinha de ser moderno e inovador, localizado em um terreno prestigioso, mas fora dos eixos essenciais do Plano Piloto.
Na realidade, o Brasília Palace era muito mais do que isso: era espetacular para a sua época em diversas dimensões. Em 1957, a ideia de um hotel totalmente moderno destinado a altas autoridades não era usual, pois o modernismo não era associado a luxo e monumentalidade. Não podemos esquecer que o Palácio da Alvorada, construído no mesmo ano, foi o primeiro palácio modernista do mundo. No século 20, até aquele momento, os palácios eram ou antigos, ou pastiches de antigos, ou art déco, ou fascistas. Mas ainda não havia sido construída nenhuma residência de chefe de Estado ou de governo moderna(2). Havia uma quase unanimidade mundial de que os palácios “'representativos” deviam ser “clássicos”. Os hotéis de qualidade idem, pois procuravam imitar o padrão dos palácios (por isso tantos têm o nome Palace...). Hotéis modernos nos anos 1950 eram associados à simplicidade e considerados adequados para aeroportos ou outros contextos que não envolvessem “prestígio”. Para os brasileiros da época, hotel de luxo digno de uma capital era o Copacabana Palace.
Mesmo assim, havia alguns precedentes hoteleiros modernistas no nosso país: o Park Hotel São Clemente em Friburgo (1940), de Lucio Costa, o Grande Hotel de Ouro Preto (1942) e o Hotel Tijuco em Diamantina (1951), ambos de Oscar Niemeyer, e o Hotel da Bahia, em Salvador (1952), de Paulo Antunes Ribeiro e Diógenes Rebouças. Este último representava um hotel de grandes dimensões, particularmente significativo por se inserir em uma grande cidade com tradição histórica. Os demais, embora muito importantes e interessantes, eram projetos de cunho mais rústico, contextualista e de dimensões reduzidas. Nenhum desses, no entanto, tinha a coerência de uma obra totalmente modernista na arquitetura, nos interiores e nas obras de arte.
O século 20 conheceu bastante cedo um hotel importante que tinha, além do prédio, toda a mobília e os equipamentos (da porcelana à iluminação) projetados por um grande arquiteto: o Hotel Imperial de Tóquio, de Frank Lloyd Wright, inaugurado em 1923(3). Esse projeto “completo” teve seguidores, mas somente depois da Segunda Guerra(4). No entanto, a tendência internacional é considerar que o primeiro design hotel foi o Royal Copenhagen, lindo projeto de Arne Jacobsen (arquitetura e mobiliário) inaugurado em 1960(5), ou ainda o Hotel Okura, em Tóquio, de 1962, obra de Yoshiro Tanigushi(6).
O Brasília Palace não foi um “projeto completo” como o de Jacobsen ou de Tanigushi, na medida em que Niemeyer não projetou a mobília especificamente para o hotel. Acredito que o Brasília Palace, no entanto, inaugurado três anos antes do Royal Copenhagen, pode ser reconhecido e divulgado como o primeiro design hotel, pois representa um conjunto modernista de grande qualidade com expressiva coerência entre arquitetura, arte e mobiliário. Para isso, deve ser continuado o esforço de fortalecimento das suas características originais, reconstituindo, por exemplo, do mobiliário dos salões. Não devemos creditar sua importância apenas à dimensão folclórica de ter sido o primeiro hotel de Brasília. Precisamos todos contribuir para que seja, cada vez mais, reconhecido como um ícone mundial.
(1). Alvorada e Planalto.
(2). A Alemanha construiria, alguns anos depois, uma linda residência modernista para o chefe de governo, em Bonn.
(3). No dia e no momento do Grande Terremoto de Tóquio... Sobreviveu até 1967, quando foi derrubado. Apenas o bar do novo Hotel Imperial guarda o desenho original de Frank Lloyd Wright
(4). O primeiro pode ter sido o Royal em Nápoles, de Gio Ponti, de 1952, mas impressionava menos por sua arquitetura do que por sua mobília, ao contrário da obra-prima do mesmo Gio Ponti, de 1962, o Hotel Parco dei Principe, em Sorrento, perfeitamente preservado até hoje.
(5). Somente um de seus quartos mantém até hoje a mobília original.
(6). Perfeitamente conservado, mas cuja reforma polêmica está programada para este ano.
Crédito imagem: Escadaria de acesso ao saguão do hotel. À vista, os pilares em acabamento de alumínio anodizado preto (c. 1958) | Marcel Gautherot | Acervo Instituto Moreira Salles
O Brasília Palace Hotel – a primeira construção de Brasília – foi pensado como parte de um conjunto urbanístico para abrigar os técnicos e os visitantes da capital em formação, portanto concebido simultaneamente e em proximidade ao Palácio da Alvorada – a residência oficial do presidente da República – e sua Capela, todos deliberadamente localizados fora do Plano Piloto e na extremidade do que viria a ser a futura península do lago artificial também projetado.
Embora o concreto armado fosse o principal recurso estrutural empregado por Niemeyer em seus projetos, para o edifício desse hotel edificado em caráter de urgência foi escolhido o emprego de perfis estruturais metálicos revestidos de concreto e outros materiais de acabamento como o alumínio, o mármore e o lambril. A realização desse esquema construtivo no Brasília Palace teve a dupla função de ser um protótipo da solução que seria aplicada nos edifícios dos ministérios e, também, de atender a uma determinação de Juscelino Kubitschek para a utilização de sistemas construtivos que promovessem a recém-criada indústria siderúrgica brasileira. Para a construção do edifício foram usadas 905 toneladas do aço.
Niemeyer organizou o programa de usos do Brasília Palace em três volumes principais: a caixa suspensa por pilares que abriga os quartos; a ala semienterrada em “T” que abriga os espaços de convívio e parte dos serviços; e uma caixa enterrada e afastada que abriga serviços e espaços técnicos.
O percurso percorrido pelo hóspede no edifício foi o ponto de partida do arquiteto para a articulação entre os volumes projetados. Ao propor a chegada ao hotel através de um acesso semienterrado, o arquiteto conduz o hóspede discreta e diretamente do saguão de entrada ao andar de seu quarto, proporcionando independência em relação ao hóspede já instalado e descansado que usufrui dos salões de estar, do restaurante, do bar e piscina localizados no andar térreo.
Os três pisos destinados aos quartos foram implantados na precisa orientação norte-sul, assim os quartos recebem a luz da manhã e têm a mesma vista para e orientação do Palácio da Alvorada. Na fachada poente de acesso e circulação dos hóspedes, foi empregado o elemento vazado de copos de vidro.
A reconstrução do hotel, destruído pelo incêndio de 1978, recuou os caixilhos metálicos originais ao longo da fachada leste e substituiu-os por caixilhos de madeira, criando varandas em todos os quartos. Na fachada oeste foram instalados quebra-sóis verticais articulados. O acesso semienterrado tão singular desse projeto permaneceu, mas é percorrido através de uma rampa. Um elemento novo, bastante característico da obra de Niemeyer, foi a adição de duas escadas de incêndio externas na fachada oeste.
Crédito imagem: Vista aérea do hotel | Arquivo Público do Distrito Federal
Nome original: Hotel de Turismo Brasília
Local: Brasília – DF
Área Construída: 8.400 m²
Arquitetura: Oscar Niemeyer
Murais: Athos Bulcão e Paulo Werneck
(este último destruído em 1978)
Início do Projeto: agosto de 1956
Início da Construção: setembro de 1957
Data da Inauguração: junho de 1958
Data da Reconstrução: 1997-2006
Data da Reinauguração: 2006
Crédito imagem: Juscelino e Sarah Kubitschek em frente ao painel de Athos Bulcão ouvindo a transmissão do Brasil se sagrar campeão da Copa do Mundo da Suécia (1958) | Arquivo Público do Distrito Federal
Aldous e Laura Huxley, Amancio Williams, André Malraux, Bruno Zevi, Caetano Veloso, Governador Carvalho Pinto, Charlotte Periand, Chico Buarque, Duquesa de Kent (Inglaterra), Eero Saarinen, Bishop, Emerson Fittipaldi, Ernesto Che Guevara, François Choay, Frank Capra, General Alfredo Stroessner, Gillo Dorfles, Giovanni Gronchi, Giulio Carlo Argan, Golda Meir, Indira Gandhi, Jean Prouve, Jean-Paul Sartre, John e Janet Foster Dulles, Luiz Carlos Prestes, Mario Pedrosa, Mussum, Ney Matogrosso, Papa João Paulo VI, Paulo Mendes da Rocha, Príncipe Bernhard (Holanda), Príncipe Mikasa e Princesa Michiko (Japão), Raul Seixas, Richard Neutra, Roberto Carlos, Vanusa, Wanderléa, William Holford, Wilson Simonal, Zacarias e a Seleção Brasileira da Futebol de 2014.
Crédito imagem: Painel Athos Bulcão | Ruy Teixeira
Um marco, para uns. Uma visão revolucionária, para outros. Um ícone, ou a realização mais plena da arquitetura, segundo muitos. Existe algo naquele singelo bloco de cimento, democraticamente dividido em quartos iguais, que acaba despertando paixão. O Brasília Palace, primeiro edifício da capital e protagonista da sua própria fundação, merecia um olhar detalhado, em busca de desvendar os motivos da fascinação discreta por esta obra do Oscar Niemeyer. Apenas disso se trata este livro.
LANÇAMENTO BRASÍLIA PALACE EM SÃO PAULO
10 de novembro – terça-feira
Livraria Cultura – Iguatemi São Paulo – Av. Brig. Faria Lima, 2232 - (11) 3030-3310
Das 18h às 22h
LANÇAMENTO BRASÍLIA PALACE EM BRASÍLIA
18 de novembro – quarta-feira
Hotel Brasília Palace - SHTN, Trecho 1 - Asa Norte, Brasília
Às 19h30
Visite o edifício: SCEN Trecho 1, S/N - Asa Norte, Brasília - DF BRASIL
Agradecemos a todos aqueles que gentilmente cederam os direitos sobre as obras no livro publicadas.
Crédito imagem abertura do site: Ruy Teixeira
Créditos acervos e fotógrafos presentes no livro:Acervo Brasília Palace Hotel, Acervo Fundação Oscar Niemeyer, Arquivo Correio Braziliense (D.A Press - Diários Associados), Arquivo Público do Distrito Federal, Evandro Teixeira, Marcel Gautherot (Acervo Instituto Moreira Salles), Mário Fontenelle (Arquivo Público do Distrito Federal), Peter Scheier (Acervo Instituto Moreira Salles), Revista Brasília (Arquivo Público do Distrito Federal), Ruy Teixeira, Thomaz Farkas (Acervo Instituto Moreira Salles)
Agradecemos também à rede Plaza Brasília Hotéis por acolher a equipe que fez este livro.
Este livro usufruiu dos mecanismos de incentivo fiscal do Pronac, instituído pela Lei Rouanet
(Lei 8.313 de 1991)
16.10.15 - valor econômico